Cultura & Lazer Titulo Experiência
Grande ABC redescobre a arte e o ofício da cerâmica

Manuseio da argila permite criatividade, novas amizades e até o conhecimento da vegetação local

31/07/2025 | 08:31
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FOTO: Freepik Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra


 A argila tem moldado o sonho de empreendedores de cerâmica no Grande ABC. Artistas ouvidos pelo Diário têm atendido uma demanda aquecida por louças para restaurantes e cafés, ensinando a arte em workshops a um público que só cresce e até tem se inspirado nas formas da vegetação local para criar e oferecer aulas regulares. A prática atrai pessoas de todas as idades.

É o caso da aposentada Ana Lúcia de Carvalho, 72 anos, coordenadora da Rede Balsear. Desde 2014, o projeto reúne mulheres do Pós-Balsa de São Bernardo na confecção de peças de cerâmica em formatos que exaltam espécies de plantas da Mata Atlântica. A iniciativa nasceu como um incentivo para geração de renda pela Prefeitura, Scania e Fundação Criança. “A venda dessas louças salvou, inicialmente, 30 mulheres, no período de defeso da Billings (entre novembro e fevereiro, quando a pesca tradicional no local é proibida em defesa à reprodução dos peixes)”, comenta a ceramista. 

Segundo ela, a estratégia foi acertada, já que “a cerâmica não é um hobby caro como muitos pensam”: dez quilos da matéria-prima – que gera peças de decoração ou utilitários de cozinha, por exemplo, saem em média por R$ 60. Outro ganho, de acordo com a artista, é como a atividade tem apresentado, a quem faz ou compra as produções, a importância de mais de 15 folhagens da região como cambuci, urucum, taioba e ipê-amarelo. 

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CAPACITAÇÃO

Quem buscou aprender a cerâmica para criar peças para o próprio cotidiano e hoje ensina centenas em um apartamento no Jardim Bela Vista, de Santo André, é a dupla Rebeca Bernatavicius e Bruna Roman, donas do Ilo Estúdio. 

No local, é possível ver o bairro de cima e até petiscar guloseimas enquanto se pinta ou modela peças como canecas, pratos e tigelas. mesmo que de forma não sempre perfeita, mas ainda assim terapêutica.

Conforme explicam, no processo, o barro, primeiro moldado e depois esmaltado, passa pelo menos por duas vezes a 1.300 °C em um forno específico para enrijecer. “Nossos workshops de três horas muitas vezes são o primeiro contato de muitos interessados com esse mundo. Acima da técnica, todos que saem daqui também aprendem como a cerâmica fala sobre a importância de desacelerarmos para que ela se transforme”, comentam as fundadoras. Elas acreditam que as opções nascidas na região “têm encurtado a distância que dificultava pessoas de experimentarem aulas”, disponíveis antes principalmente em São Paulo. 

Bruno Fabri, dono do ateliê Ikigai Cerâmica, há cinco anos em Santo André, também acredita que “os estúdios no Grande ABC têm pipocado”. 

Apesar disso, para ele, a história das cidades por si só está atrelada com a técnica que intitulou o bairro Cerâmica em São Caetano (onde operava até 1999 uma fábrica de revestimentos e louças do material). Conforme lembra Fabri, a cerâmica, inclusive, já era prática “dos primeiros indígenas que habitaram a região”.

Esse trabalho artesanal, para além do oferecimento de aulas regulares, também foi abarcado nas vendas do empreendedor. Atualmente ele atende parte da demanda de restaurantes e cafeterias locais que buscam peças modeladas à mão como uma forma de valorizar a apresentação de pratos. 

‘Arte fala de paciência e precisão’

Quem busca a cerâmica como experiência ou prática recorrente, também destaca a arte como uma professora de virtudes para a vida. Paciência, precisão, redução do perfeccionismo e o aumento da autoestima pelas próprias criações são louvadas pelos adeptos. 

Bruno Fabri mesmo, dono da Ikigai Cerâmica, afirmou ao Diário ter encontrado na técnica uma ponte necessária com sua área de formação: a arquitetura. “Trabalhei por quinze anos com reformas de apartamentos. Um dia, acordei com a ideia de estudar cerâmica, mesmo não sendo ainda tão moda. Acredito que essa junção de formações, me permitiu um design mais limpo nas peças”, afirma ele, que, apaixonado, largou a profissão inicial e passou a se dedicar apenas à cerâmica. 

Para todos os empreendedores ouvidos pelo Diário, a paciência é uma virtude intrínseca a cerâmica. Fabri destaca o empenho em explicar para clientes a demora para receber um trabalho final – que devido o período de secagem das peça, antes de passar pela esmaltação e forno, leva cerca de um mês.

Pôr a mão na argila é também um exercício de autocontrole. “Cerâmica tem vida. Falo aos meus alunos ‘não brigue pela perfeição, você construiu com orgulho aquilo’. Com a cerâmica, perdi o valor do que é o ‘certinho’. Se for perfeito, não é artesanato”, fala Ana Lúcia de Carvalho, da Rede Balsear.




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