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Justiça determina que Fundação Criança de São Bernardo seja reestruturada

Autarquia foi extinta em 2020 por lei municipal, que foi declarada inconstitucional pelo TJ-SP; instituição atendia desde 1998 crianças em situação de vulnerabilidade

Thainá Lana
02/07/2025 | 11:08
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FOTO: André Henriques/DGABC


Matéria atualizada às 16h32

A Vara da Infância e Juventude de São Bernardo determinou que a Prefeitura reestruture a extinta Fundação Criança, autarquia que atendia, há 22 anos, desde 1998, crianças e adolescentes em situação de rua e de vulnerabilidade. A instituição foi extinta em 2020 pela Lei Municipal de número 6.940, na gestão do ex-prefeito Orlando Morando (sem partido), norma que foi declarada inconstitucional pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) em 2022.

A extinção da Fundação Criança foi aprovada pela Câmara Municipal de São Bernardo sob a justificativa de dois principais argumentos “redução de custos para eficiência administrativa” e “reorganização dos serviços”. A descontinuação da fundação fazia parte de um pacote de projetos que também incluía o encerramento das atividades da ETC (Empresa de Transporte Coletivo), que gerenciava o sistema de mobilidade do município. Na época, a antiga administração são-bernardense alegou que iria economizar R$ 32 milhões com a extinção da Fundação. A norma transferiu os serviços da instituição para a Secretaria Municipal de Assistência Social.

Na decisão judicial, publicada na terça-feira (1º), a juíza Isabelle Ibrahim Brito alegou que a extinção da autarquia foi ilegal e prejudicou o interesse público, especialmente a proteção de crianças e adolescentes. Segundo o documento, a finalização do atendimento teria violado princípios constitucionais e diversas diretrizes traçadas pela Constituição Federal e pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). A Prefeitura pode recorrer da decisão.

A juíza determinou que a Prefeitura crie, em seis meses, um plano de atuação para a reestruturação da Fundação Criança, o qual deverá ser aprovado judicialmente. A execução e o restabelecimento da instituição, bem como as ações e os programas desenvolvidos, também deverão ser monitorados pela Justiça. Para a elaboração do plano, o Paço deverá ouvir ainda o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), o CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) e a sociedade civil, por meio de audiências públicas.

O plano deve considerar três pontos principais, sendo eles: retorno do patrimônio da Fundação Criança, que foi transferido para o município ou para outras entidades da administração pública Direta ou Indireta; reestruturação do quadro de pessoal necessário para sua administração e gestão das atividades e a retomada da gestão dos programas e ações de atendimento necessárias para o cumprimento de sua finalidade institucional.

Questionada, a Prefeitura de São Bernardo, por meio da Procuradoria Geral do Município, informou que ainda não foi notificada da decisão. “Mas ressalta que decisões em primeira instância para esse caso, por força de ordem judicial do STF (Supremo Tribunal Federal), seguem sem efeito até o trânsito em julgado”.

Ação popular

Os advogados responsáveis pela ação civil pública, José Luis Gonçalves e Lauro Fiorotti, que atuam na defesa dos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade, como crianças e adolescentes, disseram que a lei municipal que determina a extinção da Fundação estava com irregularidades e que moveram o processo por entender a importância do atendimento oferecido pela antiga instituição. 

“Na época (2020), os vereadores sem lerem corretamente os dispositivos legais aprovaram, em regime de urgência, em um dia, uma lei tão importante. Os parlamentares não ouviram o Conselho Tutelar do município, o CMDCA e a população, mesmo sendo uma norma de interesse público. Por isso decidimos ingressar com essa medida para anular a lei municipal que fundamenta a extinção”, explicou Gonçalves. 

Já Fiorotti relembrou que em 2022, o TJ-SP declarou a inconstitucionalidade da lei que extinguiu a autarquia, apontando falhas no processo legislativo e falta de participação popular. No ano anterior, o tribunal concedeu liminar pela suspensão da extinção da Fundação, decisão que foi mantida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), mas derrubada pelo STF (Superior Tribunal Federal). Após recursos da Prefeitura, a norma foi declarada inconstitucional, em definitivo, por órgão especial do TJ em fevereiro deste ano.

O advogado Ariel de Castro Alves, que foi presidente da Fundação Criança de 2009 a 2013, celebrou a decisão judicial e afirmou que o serviço era referência nacional e internacional em programas e ações de proteção de crianças, adolescentes e jovens.

“Esperamos que a Prefeitura, ao invés de recorrer, cumpra a sentença imediatamente. Com a extinção foram descontinuados diversos programas, como centros comunitários que ofereciam atividades nos bairros da cidade; atendimento a famílias e mediação de conflitos nas escolas; inclusão de jovens no mercado de trabalho, entre outros”, relembrou Alves, que atualmente é presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Bernardo e foi secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Funcionários

A sentença destacou ainda que, além dos prejuízos aos jovens e seus familiares atendidos pela Fundação, a lei não previu com clareza o destino dos funcionários e a norma municipal criou um “limbo jurídico” e uma situação de “profunda angústia para centenas de famílias que dependem desses empregos”.

Atual representante da Comissão de ex-funcionários da Fundação Criança, o pedagogo Josenildo Luis Gonzaga, 41 anos, disse que dos 160 funcionários públicos demitidos que atuavam na instituição, pelo menos 120 abriram processos trabalhistas contra a Prefeitura. “Nenhum funcionário foi transferido para nenhuma outra secretaria, embora essa medida estivesse prevista. Chegamos a ser orientados na época que as equipes seriam destinadas para a Secretaria de Assistência Social, porém não ocorreu”, disse Gonzaga. Ele era coordenador de programas sociais e atuou por 17 anos na instituição.

A expectativa dos ex-funcionários é de que todo o quadro pessoal seja reintegrado à Fundação. O pedagogo reforçou que somente duas pessoas conseguiram a reintegração judicial na Prefeitura. “Estamos há mais de três anos nessa luta trabalhista e a nossa expectativa é que a administração municipal não protele mais a situação. Além da retomada dos programas e serviços, também esperamos o retorno integral dos funcionários, que tiveram seus postos de trabalho ilegalmente extintos com base na lei que é institucional”, alegou Gonzaga. 

A Fundação

A criação da Fundação Criança, em 1998, se deu após um projeto de lei que alterou o nome da entidade, que à época era denominada Fubem (Fundação do Bem Estar do Menor) de São Bernardo, fundada em 1974. A alteração foi motivada pela necessidade de adequar a entidade ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que estabelecia uma nova abordagem para a proteção da infância e adolescência. 

Com sede localizada no bairro Assunção, a instituição oferecia série de serviços e atividades em diversas áreas, como cultura, esporte e educação, para os jovens em situação de vulnerabilidade do município. Ao complementar 20 anos de funcionamento em 2018, a Prefeitura na época reforçou que a instituição empenhava importante papel em um “cenário de intensas transformações sociais e de consolidação da luta pela defesa e garantia dos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias”.

O trabalho desenvolvido pela Fundação já foi premiado por diversas instituições como ILANUD, Abrinq, Secretaria de Direitos Humanos, Ministério da Cultura, entre outros. 


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