Números aumentaram, de 2023 para 2024, nas sete cidades, mas ainda são subnotificados; especialistas indicam motivos e soluções
O número de denúncias de violações sexuais contra crianças e adolescentes cresceu 54% de 2023 para 2024 no Grande ABC, e a quantidade de violações aumentou 84%, de acordo com o painel de dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, com base nas denúncias feitas ao canal do governo federal Disque 100. O tema é trazido à tona neste mês da Campanha Maio Laranja e, especialmente, amanhã (18), dia nacional de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Em 2023, foram 24 denúncias contendo 37 violações, nas sete cidades da região, que saltaram para, respectivamente, 57 e 105 em 2024. Cada denúncia pode conter mais de uma violação. Os números são apenas uma referência do quanto os casos, ou as denúncias deles, vem crescendo, mas, quantitativamente, são muito maiores, já que nem todos são notificados ao Disque 100.
Somente a ONG Ficar de Bem, com unidades em Santo André e São Bernardo, recebeu, em 2024, 103 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, sendo 75% do sexo feminino. São casos encaminhados pelo Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), escolas, Conselho Tutelar, entre outros órgãos. A organização oferece acolhimento e apoio psicossocial às vítimas e suas famílias.
A gerente de projetos da Ficar de Bem, Sara Gonçalves, diz que os números cresceram não porque, necessariamente, os casos aumentaram, mas devido à maior conscientização da sociedade, impulsionada pelas campanhas. As pessoas estão denunciando mais, entretanto, para ela, ainda há muita subnotificação. “Existe ainda um pacto de silêncio que envolve as vítimas, dificultando o rompimento do ciclo de violência e a busca por ajuda. Há mães que têm dificuldade de aceitar, porque é doloroso você acreditar que seu companheiro foi capaz de abusar da filha que tiveram juntos. Em algum nível a pessoa sabe que aquilo aconteceu, mas coloca em alguma ‘caixa’ do inconsciente e nega”, explica.
O maior entendimento sobre o que é abuso e como reconhecer os sinais também tem trazido resultados. Sara conta exemplos de como algumas situações foram relatadas ou desvendadas. “Nem sempre a criança traz um discurso de abuso. Teve um caso em que a criança falava que o bicho papão mexia nela à noite. No meio do atendimento, um irmão disse que o bicho papão era o pai. Para algumas crianças isso vem tudo muito nebuloso. Quando uma criança fala a mão, a bruxa, o bicho papão, muitas vezes, isso é o relato de um abuso sexual. Por isso, é muito importante estar atento aos indicadores.”
O professor da Fundação Santo André, Ednilton Santa Rosa, destaca que, por a maioria dos abusadores fazer parte do círculo íntimo da criança - pai, padrasto, tio, irmão mais velho, avô, vizinho, líder religioso, professor, entre outros -, toda a sociedade precisa se comprometer a enxergar a criança como responsabilidade coletiva. “Dizer que o agressor ‘mora dentro de casa’ não é uma metáfora, é uma constatação”, ressalta.
Santa Rosa sugere a formação contínua de professores e profissionais da saúde, além da orientação em igrejas e espaços culturais e esportivos, para que todos possam identificar os sinais dados pela criança. “A educação sexual também é um tabu que precisa ser quebrado. As crianças que aprendem sobre seus corpos, limites, consentimento e privacidade têm mais chances de reconhecer abusos e pedir ajuda. Essa educação precisa começar cedo, com linguagem apropriada e dentro de uma perspectiva de proteção”, afirma o professor. “E nenhuma ação será eficaz se o sistema público não garantir respostas rápidas às denúncias, sem reverter a culpa à vítima ou expô-la a um risco ainda maior”, acrescenta.
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